sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Economia Global e Geopolítica - 1º Ensaio

O mundo vive um processo sem precedentes de democratização da riqueza entre os países. Parece uma contradição que o capitalismo, ao invés do socialismo, venha a diminuir, e não a aumentar, disparidades econômicas. A concentração de renda dentro das fronteiras de cada país talvez continue a aumentar, impulsionada pelo acúmulo de riqueza da minoria mais rica, e não pelo empobrecimento da maioria mais pobre (a pobreza extrema está com os dias contados, pois a economia de mercado não pode mais se dar ao luxo de excluir bilhões de “potenciais consumidores”). A diferença de riqueza entre os países, no entanto, já vem diminuindo e diminuirá cada vez mais, não pelo colapso das economias desenvolvidas, mas pela ascensão dos emergentes. Nunca tantos países apresentaram, ao mesmo tempo, taxas de crescimento tão altas como as observadas nos últimos vinte anos.

Até a década de 80, a maioria dos países do terceiro mundo possuía um sistema político e econômico híbrido entre o capitalismo e o socialismo. Existia nestes países um capitalismo incipiente, onde o setor privado era pouco desenvolvido, seus mercados eram estritamente fechados e seus governos receosos em adotar políticas de abertura comercial. Este sistema híbrido se mostrou ineficiente, provocando nestes países crescimento pífio e hiperinflação. A queda do muro de Berlim e o sucesso dos tigres asiáticos (países que adotaram políticas mais liberais de economia de mercado) deixaram claro o caminho a ser seguido: a liberalização dos mercados. Com políticas de responsabilidade fiscal e uma maior abertura econômica uma boa parte dos países que costumávamos chamar de subdesenvolvidos passaram à condição de “emergentes”, erradicaram a hiperinflação (hoje apenas 12 países no mundo apresentam taxa de inflação superior a 15% anuais) e começaram a receber consideráveis investimentos externos (fruto da redução significativa do risco associado a estes países).

Pegando o Brasil como exemplo, vivemos hoje em um país que poucos poderiam imaginar em 1980. Nossa taxa anual de inflação está controlada por volta de 5% ao ano (na década de 80 chegamos a incríveis 1.200% anuais), temos uma perspectiva de crescimento sustentado do PIB na casa dos 4% ao ano (ritmo que deve ser retomado já em 2010, apesar da crise) e o risco Brasil (índice que mede a confiança do investidor em nosso país), está em 250 pontos, tendo chegado a 150 pouco antes da crise (ou seja, por meros 1,5% a mais o investidor estaria disposto a “se arriscar” comprando títulos da dívida brasileira ao invés da americana, situação impensável 20 anos atrás).

O mais importante é que o que está acontecendo no Brasil não é exceção, é regra. Em 2006 e 2007 124 países cresceram a uma taxa de 4% ou mais, nenhum deles do chamado mundo desenvolvido. Antoine van Agtmael, fundador do conceito de “mercados emergentes”, identificou 25 empresas como as principais empresas multinacionais da nova geração, todas de países emergentes, quatro delas brasileiras. Como conseqüência disso os países em desenvolvimento capturarão a maior parte do crescimento mundial nos próximos anos. Crescendo mais rápido nos aproximaremos, e eventualmente ultrapassaremos, os países que hoje chamamos de desenvolvidos, e que no futuro poderemos tratar como iguais. Em 2040, um grupo de 5 países emergentes (China, índia, Brasil, Rússia e México) terá um PIB conjunto maior do que o do G-7, atual grupo de países desenvolvidos que dominou a esfera econômica no século XX. E em 2050, o Brasil não será apenas o país do futebol e do carnaval, será também a quarta economia do mundo, atrás apenas de China, EUA, e Índia.

Mas ser um país “desenvolvido”, e apresentar uma condição de vida confortável para o seu povo, tem menos a ver com PIB total e mais a ver com PIB per capita. Como o PIB dos países emergentes cresce em um ritmo bem mais acelerado que a população, o PIB per capita também tende a crescer, e a disparidade entre os países tende a diminuir. Países emergentes como Brasil, México, China e Rússia apresentarão em 2050 rendas per capita muito próximas aos dos países europeus. Eu, que nasci em um país pobre, morrerei em um país rico.

Não precisaremos esperar até 2050 para sentir os efeitos destas mudanças, eles já estão se apresentando hoje (com a crescente influência geopolítica da China) e se multiplicarão no futuro. O principal efeito é a perda da posição dos EUA como única potência mundial (posição que vem mantendo desde o desmantelamento da URSS). Apesar de continuar crescendo, os Estados Unidos representarão um percentual cada vez menor da economia mundial, e por conta disso terão uma importância decrescente (porém ainda muito forte) na definição dos rumos da política global. Por um lado isso poderia representar um risco à segurança global, com a ascensão de novas potências capazes de rivalizar o poderio militar americano e trazendo novamente à cena um possível cenário de conflito armado de grande porte, possibilidade que havia sido afastada desde o fim da guerra fria.

O que a guerra fria nos mostrou, no entanto é que, à medida que um país assume uma posição de liderança no contexto global, assume também uma maior responsabilidade neste contexto. No mundo em que vivemos hoje e que viveremos no futuro, com uma economia cada vez mais global e interdependente, um país que almeje destacar-se no contexto econômico mundial simplesmente não poderá se dar ao luxo de colocar em risco sua posição se envolvendo em conflitos armados, principalmente em conflitos de grandes proporções, sob pena de isolamento econômico, o que no século XXI significa assinar a própria sentença de morte. Sempre existirão os fundamentalistas a lá Chavez ou Ahmadinejahd, mas na falta de uma opção viável ao capitalismo de mercado (que, na minha opinião, só se fortaleceu com a crise, uma vez que o crescimento mundial se recuperará em no máximo dois anos daquela que foi anunciada como “a maior crise financeira em 80 anos”) estes ditadores só sobreviverão em países economicamente irrelevantes, tornando o risco de um conflito armado de grande porte próximo a zero.

Por fim, entendo que não só o poder e influência das nações desenvolvidas tende a diminuir, como também o poder e a influência das nações, de um modo geral. Fronteiras significarão cada vez menos em um mundo dominado por multinacionais que enxergam o mundo como um só mercado, e que possuem interesses estratégicos que transcendem interesses nacionais. As fronteiras ainda existirão por algum tempo, mas serão cada vez mais irrelevantes.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O novo papa

A fé e a espiritualidade são qualidades louváveis, tenho algumas restrições, porém, em relação à igreja. Se olharmos para a história da igreja católica, e mais recentemente para as milhares de igrejas evangélicas que se proliferam a cada dia, o que vemos, na maioria dos casos, é um negócio como outro qualquer. É o rentável mercado da fé.

Há alguns anos atrás, por ocasião da morte do Papa João Paulo II, fiz uma sátira sobre o futuro da igreja católica, e o modelo de negócio continua de pé.

O Novo Papa

VATICANO (Reuters) – A notícia da morte do Papa João Paulo II acabou sendo abafada por outra notícia; pela primeira vez na história o sucessor do trono de São Pedro não será eleito no conclave. O conselho de cardeais tentou resistir, mas não conseguiu evitar a venda da Igreja Católica Apostólica Romana para o grupo Time Warner por US$ 45 bilhões.

A transação foi mantida em sigilo absoluto durante todo o processo e ninguém pareceu perceber a due dilligence que foi feita no Vaticano no final do ano passado, quando os auditores da PricewaterhouseCoopers, contratados pela TW para o trabalho, deram o sinal verde para a transação. O CEO do grupo Time Warner, Richard Parsons, deu uma entrevista coletiva ontem e revelou os motivos da compra. Segundo Parsons o mercado da fé se transformou, recentemente, em um nicho muito lucrativo, com um grande potencial de crescimento nos próximos anos, e a Igreja Católica, como empresa líder neste mercado, representava a melhor oportunidade para os investidores interessados no setor.

O momento mais agitado da entrevista foi quando Parsons apresentou o novo papa. Na próxima terça-feira, 01 de março, o Diretor Corporativo de Entretenimento e Mídia do grupo, Jeffrey Bewkes, será coroado “Papa Paulo VII”. O anúncio chocou muitos católicos, uma vez que Bewkes não é um religioso e nunca passou pelo seminário. Na verdade Bewkes não é nem católico, seu batismo será no dia anterior à coroação. Parsons justificou a escolha dizendo que esta é uma nova era para o catolicismo, a igreja precisa se profissionalizar e para isso precisa de profissionais preparados para implementar as mudanças necessárias.

Bewkes tem 48 anos e sempre trabalhou no ramo de mídia televisiva, foi diretor da HBO e há três anos assumiu o cargo de diretor de mídia e entretenimento do grupo Time Warner, onde era o responsável pelas operações da Warner Bros., New Line Cinema, HBO, CNN, TNT, TBS, Cartoon Network e WB Television. Bewkes é formado em administração pela Yale University, e tem MBA na Stanford School of Business. Em seu primeiro pronunciamento após o anúncio, Bewkes se mostrou confiante no futuro da igreja, “O nosso principal objetivo neste momento é recuperar o market share perdido nos últimos anos para as igrejas evangélicas, para isso mudaremos drasticamente nosso posicionamento de marca. O segredo da igreja moderna é a comunicação, chegar até onde o fiel está, e para conseguir isto ninguém melhor que o grupo Time Warner.” Bewkes afirmou que “a Igreja multiplicará seus lucros da mesma forma que Jesus multiplicou os pães”.

Bewkes anunciou também uma reformulação total no primeiro escalão da igreja, a mudança da sede da igreja para Nova York, e salientou a importância do mercado de produtos licenciados para alavancar o resultado do negócio. O primeiro sinal de que as coisas serão diferentes no Vaticano poderá ser percebido na terça-feira durante a coroação, quando Paulo VII será coroado usando uma bata da Nike (que fechou um contrato para o fornecimento de todo o material dos padres católicos, e será a patrocinadora exclusiva do evento).Paulo VII, just do it.

domingo, 2 de agosto de 2009

Onde é que isso vai parar?

Queridos leitores, este é o blog do projeto que batizei de "Onde é que isso vai parar?".

A idéia é realizar um estudo sobre tendências de consumo, comportamento social, relacionamento interpessoal etc., e a partir daí "desenhar" alguns cenários para o mundo em que viveremos no futuro. Acho que há espaço para um trabalho como este no Brasil, uma vez que a maior parte do material publicado neste sentido se concentra no mundo desenvolvido.

Será um projeto pessoal, não financiado por ninguém, que pretendo tocar nas minhas horas vagas, e que por isso mesmo não tem cronograma nem data definida para terminar. Não espero ganhar dinheiro com este projeto, isto pode até acontecer, mas não é esse o objetivo. O fato de ser um projeto individual e sem fins lucrativos me dá a vantagem de poder me prender pouco a aspectos quantitativos. A idéia não é a de um trabalho científico, pesquisas quantitativas podem servir de insight, mas a visão criativa de explorar o futuro (que pode ou não se concretizar), será a principal ferramenta na construção dos cenários.

O orçamento para o projeto é zero, compreendendo apenas minhas horas de trabalho, e a colaboração de alguns contatos formadores de opinião que fiz durante minha época de Michael Page, além de outros que vou contactar na base da cara de pau à medida que o trabalho for evoluindo. Para aqueles de vcs que leram "A Cauda Longa" do Chris Anderson, eu diria que este trabalho está bem no final desta cauda...

Pretendo comentar o andamento do trabalho neste blog. Conto com o apoio de vocês para me indicar contatos ou colaborar diretamente com conteúdo, cases e a mais sincera opinião. Os textos abaixo são uma idéia do que pretendo fazer, quero entrar de cabeça nestes temas, que considero deliciosos.

Wish me luck!!

Macrotendências 2

Continua valendo o “disclaimer” do post anterior. Como diria Lulu Santos são idéias que existem na cabeça e não têm a menor obrigação de acontecer.

Demografia e Família:

Uma das tendências que mais têm se fortalecido nos últimos anos é a queda na taxa global de fecundidade. Hoje um terço dos países do mundo já apresentam taxas abaixo de dois filhos por mulher (o mínimo necessário para garantir a reposição da população no longo prazo). Alguns fatores por trás da diminuição na taxa de fecundidade são o aumento no nível de instrução, a popularização dos métodos anticontraceptivos e a crescente urbanização da população. A taxa média global de fecundidade, hoje em 2,6 filhos por mulher, deve continuar caindo até ficar abaixo da taxa de reposição, como efeito disto, eventualmente a população mundial parará de crescer. A previsão da ONU é que a população mundial atinja um nível máximo de 9,5 bilhões de habitantes, por volta de 2070, e a partir daí, comece a diminuir. No Brasil a população pode começar a diminuir em apenas 30 anos.

Os efeitos deste fenômeno são muitos: Por um lado seremos mais ricos, as taxas de crescimento do PIB dos países superarão consideravelmente as taxas de crescimento populacional, ocasionando um aumento considerável na renda per capita a nível global. O banco de investimentos Goldman Sachs prevê que o PIB per capita do Brasil em dólares de 2007 (ou seja, já descontando a inflação), passará dos atuais US$ 8 mil para aproximadamente US$ 48 mil em 2050 (acima do atual PIB per capita norte americano). Em outras palavras, seremos um país desenvolvido. Por outro lado seremos mais velhos, os maiores de 60 anos que hoje representam 11% da população mundial passarão a representar 22% em 2050. No Brasil a tendência é ainda mais forte, aqui a participação dos maiores de 60 na população passará de 10% a 30% no mesmo período.

O núcleo familiar clássico de classe média em uma cidade como São Paulo atualmente já é formado por um casal e um filho único. As pessoas simplesmente não têm mais tempo para criar mais filhos, e nem dinheiro. Dinheiro até teríamos para criar quatro filhos do jeito que os filhos eram criados na década de 1960, o problema é que os filhos de hoje em dia estão cada vez mais caros, demandando investimentos pesados em educação, vestuário, lazer e na satisfação de crescentes necessidades de consumo. Escolhemos ter apenas um filho para poder “dar o melhor” pra ele, preferimos colocar nosso filho único na melhor escola do que ter que matricular dois ou três rebentos em uma escola mais barata e, teoricamente, pior.

Já falei aqui neste blog da idéia do filho coletivo, e admito que ainda existem barreiras sociais fortes que impedem a proliferação deste modelo no curto prazo. Mas se temos cada vez menos tempo para os nossos filhos e se custa cada vez mais caro mantê-los e prepará-los para o mundo competitivo que os aguarda, nada mais natural que maximizemos estes dois recursos escassos (tempo e dinheiro) nos associando em grupos ampliados de pessoas em torno de um só filho. Se em 1950 um casal tinha seis filhos, passou a ter dois em 1980 e hoje tem apenas um, é natural esperarmos que o casal do futuro tenha 50% ou 20% de um filho, compartilhando-o com outros.

O núcleo familiar tende a ficar mais flexível. Hoje vemos cada vez mais pessoas morando sozinhas, ou em núcleos familiares reduzidos. A idéia de que um casal deve morar junto já vem sendo questionada, e casais começam a morar separado por opção. Os relacionamentos duram menos tempo e a idéia de juntos para sempre vai se tornando uma utopia. O percentual de homossexuais (que na prática não podem ter filhos biológicos) vem aumentando, assim como o de bissexuais (que por definição não se satisfazem, no longo prazo, com um só parceiro). Junte-se a isso a idéia de que o filho não será de um casal, mas de um grupo, e temos um conceito expandido de família. No final disso tudo as pessoas morarão sós ou em grupos, mas estes grupos terão menos a ver com relações consangüíneas e hereditárias, e mais com relações afetivas e não exclusivas. O lar do futuro pode ser composto de três adultos, um idoso e uma criança, que podem não ter laços de sangue ou relacionamento conjugal, mas que se gostam, se ajudam e vivem em uma certa harmonia formando, portanto, uma família, por que não?

Outra ruptura no conceito tradicional de família deve vir junto com a evolução da engenharia genética. Não imagino que na segunda metade deste século as mulheres ainda carreguem um feto em seu corpo por 9 meses. A opção de uma gravidez completa “in vitro” sofrerá, a princípio, uma forte oposição cultural, principalmente por grupos religiosos, mas eventualmente passará de exceção à regra. Sejamos práticos, pra que passar nove meses carregando um bebê na barriga quando se pode manter o corpo inalterado e ir visitar o feto no laboratório mais próximo sempre que quiser? No laboratório o feto terá perto de 100% de chances de sobrevivência, não estando exposto a acidentes ou doenças. Dependendo da evolução da engenharia genética talvez esperar nove meses não seja mais necessário. Num mundo onde as pessoas se preparam cada vez mais antes de ter um filho, este período obrigatório de preparação biológica deixa de fazer sentido.

Em algum momento surgirá a dúvida: prefiro um filho que se pareça comigo ou com o Brad Pitt? Com um mundo de possibilidades para alterar (e melhorar) geneticamente o DNA do rebento que vem por aí será cada vez mais tentador escolher um filho mais bonito e inteligente que o filho do vizinho, ao invés de um que herde seu pé chato ou seu cabelo ruim. Mais importante do que isso é a questão ética que começa a ficar confusa quando levamos em conta questões de saúde: será que eu quero ter um filho da forma “natural” que herdará minha predisposição genética a diabetes ou a doenças do coração ou prefiro escolher um gene “melhorado”, com chances consideravelmente menores de desenvolver uma destas doenças? Não será uma escolha fácil.

Enfim, mesmo que as pessoas das próximas gerações sejam mais bonitas, mais inteligentes e mais bem preparadas (lembrem-se do conceito do filho coletivo), voltamos ao problema discutido no primeiro parágrafo, elas virão em menor número. O envelhecimento constante da população traz problemas graves. Por mais que uma melhor qualidade de vida proporcione às pessoas uma vida produtiva mais longa, a humanidade sempre precisará de renovação, como iremos reverter a tendência de queda na taxa de fecundidade? Como iremos convencer as pessoas a ter mais filhos? Será que um dia os governos dos países precisarão criar uma safra de crianças (a lá Admirável Mundo Novo) para compensar o declínio natural dos nascimentos? Fica para reflexão...

Macrotendências 1

Eu sempre quis ser um misto de Aldous Huxley com Faith Popcorn. A profissão de "futurólogo" é algo que me atrai. Gosto de imaginar o futuro, e o faço sempre com uma confiança inabalável de que minha versão do futuro tem grandes chances de se concretizar. As "Macrotendências" abaixo descritas não foram o resultado de nenhuma pesquisa séria, não têm data para acontecer e são fruto exclusivo das minhas observações e de minha imaginação fértil.

Informação e Transporte:

Exceto no caso de trabalhadores braçais (que serão minoria devido à constante automação dos processos) e de profissões que exigem o contato humano (médicos, dentistas, atletas de esportes coletivos, etc.), o vínculo físico com o local de trabalho deixará de existir. Devido às novas tecnologias de comunicação on-line, conversar com uma pessoa "ao vivo" ou através de algum aparelho (chamem de "tele presença" ou algo do tipo), fará pouca diferença. A cultura de fechar negócios ou fazer reuniões com a presença física das pessoas é coisa da nossa geração, no futuro o local de trabalho será 100% virtual, não só para profissionais liberais, mas também para executivos.

A consequência natural disso é que grande parte da humanidade não precisará mais morar no mesmo lugar em que trabalha. Muitas empresas não estarão localizadas em um determinado "lugar", mas funcionarão on-line, 24 horas por dia, e nossos colegas, na prática, poderão ser de qualquer parte do mundo. Com os diferentes fusos horários envolvidos nessa história toda, é de se esperar que o tradicional "horário de trabalho" perca um pouco o sentido, para sincronizar horários estes funcionários dos quatro cantos do mundo vão se adaptar para se comunicar com pares, clientes, chefes e subordinados, tendo cada um uma agenda um tanto confusa, mas interessante. Interessante porque irão intercalar tempo de trabalho e lazer de uma forma bem mais flexível, não fará muito sentido ir à academia "após o trabalho" se você trabalha em casa, e tem compromissos virtuais nos horários mais malucos com seus colegas que moram na Alemanha, 5 horas na frente.

Com isso acaba-se a famosa "hora do rush" nas cidades, devido ao fim do "horário de trabalho". Isso traz a vantagem óbvia de aliviar o trânsito, mais que nunca viveremos em cidades "que nunca dormem". Junte-se a isso a desvinculação do trabalho com a moradia e o próprio conceito de "cidade" se transforma, será que elas ficarão maiores ou menores, com a saída daqueles que sempre sonharam em morar num lugar mais "tranquilo"?. Caso a tecnologia venha acompanhada de uma ampla abertura de fronteiras (falarei sobre isso nas macrotendências políticas), seria possível morar em Biarritz, ou no Taiti, e mesmo assim continuar trabalhando normalmente.

As pessoas não deixariam de viajar, mas dois dos motivos atuais das viagens deixariam de existir. Pra que viajar "de férias" se eu posso ir para qualquer lugar do mundo e continuar trabalhando normalmente? Pra que viajar "a negócios" se todos os negócios podem ser resolvidos daqui mesmo, da minha casa? As viagens seriam feitas para proporcionar o encontro físico das pessoas, quando elas assim desejassem. Imagino diferentes "tribos" emergindo disso tudo: existiriam os nômades compulsivos que morariam um certo tempo em cada lugar do mundo, mas também existitiam aqueles que usariam as novas tecnologias para ficar cada vez mais dentro do casulo.

Acho que a grande cidade não perderá o seu encanto, mas posso estar enganado. Eu moraria em Paris, pelo menos por um tempo, mas o que seria de Paris se mais da metade das pessoas que morassem por lá tivessem como atividade algo que tem pouco ou nada a ver com a cidade ou o país em que se encontram? to be continued...

Um tempo parando pra ver o tempo passando

Nasci a trinta anos, engraçado como a gente olha com naturalidade isso tudo a nossa volta. É como se nada tivesse mudado, quando na verdade quase tudo mudou.

Quando nasci, no final da década de setenta, o mundo já estava preocupado com o Oriente Médio. A revolução islâmica do Irã iria desencadear uma das fases mais agudas da crise do petróleo. Hoje este mesmo Irã se revolta contra o regime islâmico e a preocupação sobre o futuro de uma economia a base de petróleo volta à tona com a conscientização sobre o aquecimento global.

Por mais que algumas situações repitam scripts quase idênticos aos de 30 anos atrás, a grande verdade é que pouca coisa lembra aquele mundo em que nasci. Vivemos hoje num mundo melhor, diria eu, pois sou daqueles talvez bobos que se encantam com o progresso, com a capacidade do ser humano de criar coisas inusitadas para satisfazer aquelas necessidades que nem sabíamos que tínhamos.

Criação de necessidades que nos deixa cada vez mais frustrados e ansiosos por não conseguir satisfazê-las todas, diriam alguns amigos meus, meio intelectuais, meio de esquerda. Mas se pararmos um pouco de prestar atenção no que não podemos ter e nos concentrarmos naquilo que temos, perceberemos o mundo de possibilidades que temos hoje, e que não tinham os nossos pais há 30 anos.

Tenho amigos no mundo inteiro e me comunico com eles como se estivessem aqui do lado, a qualquer hora, por texto, voz ou imagem. Compro o livro que quiser sem sair de casa escolhendo de um estoque infinito. Tenho acesso a toda e qualquer informação, cultura e conhecimento sem limites, de uma forma democrática como nunca se viu. Só posso ser otimista a respeito de uma sociedade que consome informação de múltiplas fontes, sem restrições. Não há dúvida que a sociedade em que vivemos hoje, apesar de mais individualista e mais ansiosa, é menos propensa à manipulação, mais diversa e menos preconceituosa do que há 30 anos.

Trabalho em uma indústria de papel e celulose e tenho como principal tarefa desenvolver projetos para um futuro onde usaremos o papel, a celulose e a árvore de uma forma bem diferente da que usamos hoje, provavelmente de uma forma mais inteligente. Viveremos num país diferente do que vivemos hoje, e que muito pouco lembrará aquele em que nasci há 30 anos.

Quando criança assistia na sessão da tarde enlatados americanos onde as forças do bem combatiam comunistas malvados e comedores de criancinhas. Hoje a Russia, aquela que há apenas 20 anos era uma das duas superpotências mundiais, está ao lado do Brasil na sigla BRIC. Segundo Obama nosso presidente é "o cara". O etanol, aquele mesmo do próalcool, é benchmark mundial. A India tem multinacionais que compram todo mundo e a China, bem, a China ganhou mais medalhas de ouro que os Estados Unidos nas últimas olimpíadas! Estou ficando velho, onde estão as medalhas da Alemanha Oriental?

Na Paulista a passeata gay tem 3 milhões de pessoas, mais gente que no Anhangabaú das diretas já. Minha sobrinha está preocupada com as sacolas plásticas que minha irmã pega no supermercado, o Brasil está emprestando dinheiro pro FMI, a GM pediu falência, a FIAT pode comprar uma parte dela. Quem olhava pro 147 naquele longínquo ano de 1978 mal podia imaginar. O presidente americano é negro, a Europa é um país só, incluindo aqueles caras da "cortina de ferro". O Real se valoriza a cada dia, neste trimestre podemos ter deflação. Enfim: mais do mesmo.