quarta-feira, 19 de maio de 2010

Onipresença

Exceto no caso de trabalhadores braçais (que serão minoria devido à constante automação dos processos) e de profissões que exigem o contato humano (médicos, dentistas, atletas de esportes coletivos, etc.), o vínculo físico com o local de trabalho deixará de existir. Devido às novas tecnologias de comunicação on-line, conversar com uma pessoa "ao vivo" ou através de algum aparelho (chamem de "tele presença" ou algo do tipo), fará pouca diferença. A cultura de fechar negócios ou fazer reuniões com a presença física das pessoas é coisa da nossa geração, no futuro o local de trabalho será 100% virtual, não só para profissionais liberais, mas também para executivos.

A conseqüência natural disso é que grande parte da humanidade não precisará mais morar no mesmo lugar em que trabalha. Muitas empresas não estarão localizadas em um determinado "lugar", mas funcionarão on-line, 24 horas por dia, e nossos colegas, na prática, poderão ser de qualquer parte do mundo.

O fim do “horário de trabalho”

Com os diferentes fusos horários envolvidos no dia a dia de uma equipe virtualmente relacionada mas fisicamente separada, é de se esperar que o tradicional "horário de trabalho" perca o sentido. Para sincronizar horários estes funcionários dos quatro cantos do mundo vão se adaptar para se comunicar com pares, clientes, chefes e subordinados, tendo cada um uma agenda um tanto confusa, mas interessante, porque irão intercalar tempo de trabalho e lazer de uma forma bem mais flexível. Não fará muito sentido ir à academia "após o trabalho" se você trabalha em casa, e tem compromissos virtuais nos horários mais diversos com seus colegas que moram na Alemanha, 5 horas na frente.

Ao invés disso nos adaptaremos para cumprir as atividades diárias ao longo de uma jornada de vinte e quatro horas, cheia de “recreios” onde dormiremos e encaixaremos nossas atividades de lazer. Nossas agendas se parecerão cada vez mais com um queijo suíço e talvez até mesmo o hábito de se ter apenas um período diário de sono de sete ou outro horas seja substituído por “siestas” mais espalhadas e curtas.

O fim da hora do rush e da sazonalidade no transporte

O trânsito é um problema que assola a maioria das grandes cidades, e muitas vezes atribuímos o problema à escassez de avenidas, viadutos ou opções de transporte coletivo. Quem costuma dirigir às 2 horas da madrugada, porém, deve perceber que, especificamente neste horário, a escassez de ruas e avenidas não parece ser tanto um problema, gasta-se, neste horário, cerca de 10 minutos para percorrer uma distancia que na “hora do rush” poderia levar até uma hora.

O problema do trânsito, por mais estúpido que esta afirmação possa parecer, se deve basicamente a um motivo: Todos queremos chegar aos mesmos lugares nos mesmos horários.

A solução para o problema do trânsito não virá da infra estrutura de transportes, e sim da tecnologia da informação. A “onipresença” nos permitirá trabalhar de casa, em qualquer horário, e restringir eventuais idas e vindas ao estritamente necessário, nos horários mais diversos. Menos gente se movimentando, por distancias mais curtas e em horários mais bem distribuídos, eventualmente chegaremos à conclusão que temos ruas e avenidas demais, e não de menos.

Até o conceito de megalópoles fica em cheque: as cidades atrairão as pessoas menos pelas oportunidades profissionais que oferecem, e mais pelo estilo de vida que proporcionam a seus moradores. Torna-se possível realizar o sonho de muitos moradores de grandes cidades de morar em um lugar mais "tranqüilo". Dia desses ouvi que 42% dos moradores de São Paulo gostariam de deixar a cidade, que bênção seria se estes moradores efetivamente saíssem, tanto para eles como para aqueles que ficam, com a onipresença isso se torna possível.

As cidades não deixarão de existir, pois ainda haverá a necessidade de centros de serviço, onde as pessoas possam usufruir de ambientes físicos de convivência e ter acesso a serviços onde a interação física ainda é necessária. Alem disso, não acredito que uma parcela considerável da população resolva se isolar em lugares remotos no momento em que seu trabalho se tornar geograficamente independente. O que ocorrerá, no entanto, é que as pessoas escolherão onde querem morar, ao invés de serem “escolhidas” pelo mercado de trabalho. O próprio conceito de residência fixa deixa de ser obrigatório, pois os de temperamento mais errante podem passar a vida viajando pelo mundo enquanto continuam trabalhando normalmente.

Aqueles que são apaixonados por Paris, mas que atualmente não podem se dar ao luxo de largar tudo e tem que se contentar com curtas temporadas na cidade luz durante as férias, poderiam passar temporadas de meses, ou até anos por lá, fazendo o mesmo trabalho que fariam em São Paulo, Tóquio ou Jericoacoara.

As pessoas não deixariam de viajar, mas dois dos motivos atuais das viagens deixariam de existir. Pra que viajar "de férias" se eu posso ir para qualquer lugar do mundo e continuar trabalhando normalmente? Pra que viajar "a negócios" se todos os negócios podem ser resolvidos daqui mesmo, da minha casa? As viagens seriam feitas para proporcionar o encontro físico das pessoas, quando elas assim desejassem. Imagino diferentes "tribos" emergindo disso tudo: existiriam os nômades compulsivos que morariam um certo tempo em cada lugar do mundo, mas também existiriam aqueles que usariam as novas tecnologias para ficar cada vez mais dentro do casulo.

Fronteiras perdem o sentido

Fronteiras nacionais sobreviveram à globalização dos mercados, mas dificilmente sobreviverão à globalização das pessoas, com a onipresença fica um tanto ou quanto complicado restringir certas oportunidades de trabalho a cidadãos de um certo pais, o que historicamente tem sido o principal motivo de restrição a imigrantes, se não vejamos:

Um funcionário trabalhando em um Call Center indiano atendendo clientes americanos de um determinado cartão de crédito está, na prática, tirando o emprego de um americano. Este mesmo funcionário não qualificado, caso tentasse entrar nos EUA provavelmente seria barrado, pois a imigração daquele país usaria o argumento de que aceitar imigrantes não qualificados só contribuiria para aumentar o desemprego em seu país. Imaginemos por um momento, porém, que a imigração abrisse uma exceção neste caso e deixasse o indiano entrar desde que continuasse exercendo a mesma função, só que desta vez em solo americano, recebendo o mesmo salário baixíssimo que recebe na Índia, sem direito aos benefícios concedidos a trabalhadores americanos.

O que aconteceria, neste caso, é que os EUA não recuperariam o emprego perdido para a Índia de forma efetiva, pois aquele indiano continuaria como um cidadão de segunda classe. Aquele, na prática, continuaria a ser um emprego “indiano”. Por outro lado o pouco de dinheiro disponível para consumo daquele “cidadão de segunda classe” seria consumido na economia americana, e não na indiana, o que deixaria os EUA em uma situação melhor do que simplesmente exportando empregos para a Índia, que é o que acontece hoje.

O emprego americano já foi perdido para a Índia de qualquer forma, e isso aconteceu sem a necessidade do indiano cruzar a fronteira e entrar em território americano. Se isso acontecesse, na prática, os EUA só teriam a ganhar, e não a perder.

Este e outros casos começam a confundir a idéia de que “fechar a fronteira” para imigrantes é uma forma de proteger o mercado de trabalho local, uma forma de reserva de mercado. Se o emprego está sendo perdido de qualquer forma, é preferível que se perca este emprego para um “não cidadão residente” do que por um “não cidadão não residente”.

Estou vivendo um caso interessante, enquanto escrevo este livro estou participando de um projeto que conta com a ajuda de uma consultoria estratégica global. Apesar do trabalho ter sido vendido pelo escritório brasileiro da referida consultoria, a equipe de consultores é composta por um austríaco (baseado no escritório de Viena), e por um canadense (baseado no escritório de Toronto), estes dois consultores estão atualmente morando no Brasil para a realização do projeto, e alem deles contamos com a ajuda “part-time” de especialistas globais que se encontram nos quatro cantos do globo, mas que, sem duvida, estão debitando horas de trabalho em nosso projeto.

No final das contas os honorários deste projeto serão pagos ao escritório brasileiro, que transferirá uma parte deles para os escritórios de Viena, Toronto, e outros que possuam profissionais envolvidos. Estes escritórios, por sua vez pagarão uma parte destes honorários aos seus consultores que gastarão este dinheiro parte no Brasil (aqueles que estão aqui durante o projeto) e parte no exterior.

Na prática poderíamos dizer que os consultores estrangeiros estão “roubando” vagas de brasileiros, mas se estão mesmo melhor que morem aqui durante o projeto, pelo menos parte desta receita perdida volta para o país em forma de consumo. Taxar e alocar restrições ao trabalho intelectual, numa era de onipresença global, passa a ser uma tarefa deveras complicada.

domingo, 18 de abril de 2010

Kid Certificates

Todos nós conhecemos a política de filho único adotada na China desde 1978. Naquela época, já contando com a maior população do planeta e com altas taxas de natalidade a China adotou a política de forma a frear o crescimento populacional e, consequentemente, aliviar uma série de problemas sociais, econômicos e ambientais que se tornariam incontroláveis (a estimativa do governo é de que a população chinesa seria hoje maior em cerca de 350 milhões de pessoas, ou dois "Brasis", caso a política não houvesse sido adotada).

Conforme comentado em posts anteriores, acredito que a diminuição da taxa de fertilidade acontecerá naturalmente, devido a fatores econômicos e culturais, que acabam fazendo com que a população moderna, principalmente a urbana, deseje uma família menor que aquela dos seus antepassados. Com isso eventualmente a população mundial vai começar a decrescer. A projeção é que este ponto de inflexão ocorreria por volta de 2070, quando o mundo já teria uma população por volta de 9,5 bilhões de habitantes. Cada vez mais, porém, os ambientalistas se preocupam se o planeta está preparado para abrigar tanta gente, devido à pressão que uma população deste tamanho coloca nos recursos naturais, e a verdade é que não temos esta resposta.

Enfim, o que se conclui é que simplesmente esperar para que as tendências culturais cumpram seu papel de diminuir, parar, e eventualmente reverter o ritmo de crescimento populacional pode não ser uma estratégia inteligente e que políticas públicas de controle populacional sejam não apenas recomendáveis, mas necessárias.

Adotar uma política como a chinesa, no entanto, não me parece ser a forma mais eficiente de controle populacional. Ao designar um filho por mulher o governo não aloca da melhor forma a geração de novos bebês. Evitar que uma família em boa condição econômica, com muita vontade de ter dois filhos e condições de sobra para prover-lhe uma boa educação e criação, produzindo assim um futuro cidadão com qualificações acima da média é, no mínimo, pouco inteligente.

Segurar o crescimento populacional significa limitar o número total de nascimentos provenientes de um grupo de mulheres em período fértil. A alocação dos bebês entre estas mulheres, no entanto, não deve ser arbitrário, mas otimizado através de mecanismos de mercado, de forma a garantir uma alocação ótima dos recursos escassos (neste caso o direito de procriar), entre os produtores mais eficientes (neste caso as famílias mais qualificadas).

A emissão de certificados verdes (green certificates), tem funcionado muito bem para limitar a emissão de gás carbônico e de outros gases responsáveis pelo efeito estufa em boa parte dos países europeus. Por este sistema uma indústria ou geradora de energia pode sempre optar se faz mais sentido investir para reduzir suas próprias emissões ou comprar certificados de outras indústrias ou geradoras. No final do dia o que temos é que, através do livre mercado, as iniciativas para redução de emissões foram tomadas por aquelas indústrias ou geradoras que podiam (ou sabiam) fazê-lo de forma mais eficiente.

Aplicando esta boa idéia no problema de controle populacional proponho o "Kid Certificate" (KC). Usarei o Brasil como Exemplo:

No momento zero, através de um decreto presidencial, seriam emitidos alguns milhões de KCs que seriam diretamente distribuídos a todas as mulheres brasileiras que ainda não tiveram filhos. Estes certificados lhes garantiriam o direito de dar a luz a um rebento, e não mais que isso. Aquelas que já tiveram filhos, por já terem usufruído do seu direito, não receberiam o certificado.

As portadoras desta primeira remessa de KCs poderiam optar a respeito do que fazer com estas licenças: ter o filho a que têm direito ou vender para outras famílias que desejem ter o segundo ou terceiro filho. O importante é que a partir da implantação do decreto uma criança só poderia ser registrada com a apresentação de um certificado, que seria, consequentemente, retirado do mercado após o nascimento (nascimentos de gêmeos seriam tratados como exceção e, neste caso, ambos poderiam ser registrados utilizando apenas um KC). Como os certificados não expiram (exceto quando são utilizados para registrar uma criança), mulheres que não pretendem ter filhos poderiam especular com os KCs, guardando-os por um longo período esperando a valorização dos mesmos.

Mães que dessem a luz e sem possuir um KC teriam que entregar seu filho para um orfanato estatal, e só poderiam resgatá-lo se conseguissem adquirir um KC no mercado. Após dois anos, caso não consigam o KC, seu filho seria liberado para adoção, mediante, evidentemente, a apresentação de um KC por parte dos pais adotivos.

Após a primeira emissão, KCs adicionais seriam emitidos para mulheres que completassem 18 anos (grupo que não havia recebido o KC na primeira remessa). Com este mecanismo o governo criaria também um desincentivo para a gravidez na adolescência, uma vez que filhos nascidos de mães adolescentes nasceriam "a descoberto", tendo a mãe ou sua família que comprar um KC no mercado para evitar uma temporada do bebê no orfanato público.

Um KC sempre daria direito a um filho, mas o ritmo de emissão de KCs poderia mudar ao longo do tempo, com base no nível de crescimento populacional esperado pelo governo. Caso desejasse adotar uma política ainda mais restritiva o governo poderia reduzir o ritmo de distribuição de 1 para 0,5 KCs por mulher, o que significa que uma mulher que deseje ter um filho precisaria, necessariamente, comprar mais 0,5 KCs no mercado (ou dividir o rebento, ver post sobre filho coletivo).

O mercado, aliás, é uma parte importante do sistema. Assim com os créditos de carbono os KCs seriam negociados em bolsa e seu valor seria conhecido. Como qualquer um poderia comprar ou vender KCs (apesar de só as mulheres receberem os KCs diretamente do governo), o mercado se encarregaria de precificar os KCs de acordo com a lei da oferta e da procura.

Um efeito positivo do sistema seria que as taxas de natalidade, muito provavelmente, passariam a ser mais altas nas camadas mais ricas da população, exatamente aqueles que poderiam dar uma educação de maior qualidade, garantindo uma força de trabalho mais qualificada no futuro.

Com o aumento da desregulamentação no setor o sistema poderia se tornar global. Com isso não apenas teríamos a possibilidade de manter a população mundial em um tamanho ótimo, mas também de alocar de forma ótima nosso bem mais precioso, as futuras gerações de seres humanos.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Filho Corporativo

Mesmo que as pessoas das próximas gerações sejam mais bonitas, mais inteligentes e mais bem preparadas, voltamos ao problema básico de que elas virão em menor número. O envelhecimento constante da população traz problemas graves. Por mais que uma melhor qualidade de vida proporcione às pessoas uma vida produtiva mais longa, a humanidade sempre precisará de renovação, como iremos reverter a tendência de queda na taxa de fecundidade (exacerbada ainda mais pelo conceito de filho coletivo discutido no post abaixo)?

A princípio acredito que o nível de equilíbrio da população mundial ficará consideravelmente abaixo do pico de 9,5 bilhões, a tecnologia vai conseguir manter o crescimento do PIB mundial por algum tempo mesmo em um cenário de população decrescente, e esta situação será bem vista a princípio, pois proporcionará um incremento acelerado no PIB per capita (uma vez que o numerador estará aumentando e o denominador diminuindo ao mesmo tempo). Este cenário, porém, se tornará insustentável à medida que a pirâmide populacional se inverta (com os idosos representando uma parcela cada vez maior da população) e que a queda populacional se torne uma ameaça à continuidade da espécie humana.

A partir do momento em que este problema se torna global (e deixa de ser um problema restrito a alguns países mais desenvolvidos), políticas de incentivo à imigração deixarão de fazer sentido, ou se tornarão muito caras uma vez que todos os países estarão fazendo o mesmo. O capital humano se tornará o recurso mais escasso. Também não acredito que os governos nacionais terão a força política que têm hoje, até porque o mundo precisará cada vez mais de soluções globais, incompatíveis com a estrutura geopolítica atual. A princípio a solução mais óbvia seria criar algum tipo de incentivo para as pessoas terem filhos, como isenções fiscais, benefícios, ou até mesmo pensões governamentais. Este modelo, porém, apresenta uma falha grave, pois por traz dele existe um incentivo perverso. Naturalmente as pessoas que estariam dispostas a ter um filho devido a uma pensão do governo seriam aquelas menos preparadas para tê-los. Em um mundo onde o capital humano será cada vez mais importante não é inteligente selecionarmos as próximas gerações através de um darwinismo às avessas, onde só os menos preparados sobrevivem.

A solução é ao mesmo tempo simples e controversa: Pessoas jurídicas adquiririam o direito de conceber e criar filhos.

Esta idéia pode parecer absurda para um leitor do início do século XXI, que ainda não sentiu na pele as conseqüências de uma população decrescente e de um envelhecimento acelerado da população. Além disso, tendemos a confundir a idéia do filho corporativo com algum tipo de escravidão, onde um ser humano “pertenceria” a alguma instituição, estando preso a ela para sempre num esquema de trabalho forçado. Longe disso, os filhos corporativos serão até mais “livres”, no sentido econômico da palavra, do que os filhos não corporativos, aqueles criados dentro de famílias dos modelos mais diversos.

Para aceitar o modelo do filho corporativo a sociedade exigirá uma legislação que proteja os direitos individuais do ser humano, não imagino que tenhamos um retrocesso neste sentido, por isso mesmo acredito que um sistema de semi-escravidão, que tolha a liberdade individual, não terá mais vez na sociedade do futuro, pois se tornará um conceito tão ultrapassado como o do colégio interno, discutido anteriormente neste blog. O desafio de montar um arcabouço jurídico que permita que corporações funcionem como geradoras e criadoras de seres humanos, lucrem com esta atividade, e ao mesmo tempo garantam a liberdade incondicional dos seus descendentes não será fácil, nem trivial. O governo, como principal interessado no crescimento populacional precisará intervir para que os incentivos corretos estejam presentes, não como executor (a lá Admirável Mundo Novo), mas como agente regulador.

O caminho óbvio é o subsídio, mas um subsídio inteligente, baseado na performance futura do filho corporativo. Ao remunerar um funcionário, assim como acontece hoje em dia, as empresas serão obrigadas a recolher um determinado valor em impostos, proporcional ao salário do empregado. Uma parcela significativa deste valor, no caso do funcionário ser um filho corporativo, seria repassado diretamente à empresa geradora. Desta forma a empresa geradora teria garantida a sua receita, e lidaria com um incentivo positivo, pois o quão mais bem sucedido fosse seu filho, maior o retorno futuro que esta empresa teria. Como o imposto seria recolhido igualmente para todos os funcionários (a alíquota para os filhos não corporativos seria igual, porém os recursos seriam repassados para uma espécie de previdência social), o funcionário não teria nenhum custo adicional por ser um filho corporativo, e nenhum tipo de dívida para com a empresa geradora. No caso de profissionais liberais os mesmos também seriam obrigados a recolher o referido imposto sobre o resultado de sua atividade, desta forma, independente da atividade exercida por seu filho no futuro, a empresa geradora teria a garantia de recebimento de um fluxo financeiro, o risco de inadimplência existiria, mas não seria menor que aquele referente à arrecadação de impostos por parte do governo. O sistema garantiria uma competição justa entre filhos corporativos e não corporativos, e um modelo sustentável de negócio para empresas geradoras.

O negócio de geração de filhos para funcionar de forma condizente com os padrões legais do futuro precisariam ser alvo de constantes inspeções e avaliações, para garantir que os filhos sejam criados de forma condizente com a legislação cível em vigor. Teríamos uma espécie de “vara de família” traduzida para o mundo dos negócios. As empresas teriam responsabilidade total sobre seus filhos até uma certa idade, e a partir daí o filho seria graduado de seu período de formação podendo buscar uma atividade profissional de sua preferência (algum tipo de remuneração final seria repassada ao filho, proporcional ao total investido durante o período de criação, de forma a garantir-lhe o sustento por alguns meses até que ele encontrasse uma posição no mercado).

Por ser um negócio de capital intensivo com retorno de longo prazo seriam necessárias algumas linhas de crédito com taxas baixas para financiar o primeiros anos de atividade destas empresas. Levando-se em conta que estaremos vivendo em tempos de pirâmide demográfica invertida e alta renda per capita, é de se esperar que o nível de poupança da sociedade seja alto, o que torna viável o crédito barato. Apesar do retorno de longo prazo o risco seria relativamente baixo, pois poucos duvidariam da necessidade de capital humano e da existência de um mercado ávido por empregar estes novos filhos corporativos. Algum tipo de regulação a princípio poderia ser necessária, principalmente para garantir a solvência das empresas geradoras, pois uma seqüência de falências nestas empresas poderia se transformar em uma tragédia social.

Uma empresa geradora de sucesso teria que ter uma alta capacidade de projetar as necessidades de capital humano para 20, 30 anos na frente, pois algumas características presentes na “safra” a ser produzida já poderiam ser estabelecidas desde o nascimento. O departamento de concepção (formado não só por especialistas em engenharia genética, mas também por estudiosos das ciências humanas e “futurólogos” em geral) teria o desafio de criar bebês com potencial adequado ao que se esperará deles no futuro. Uma vez concebida a criança, os diversos departamentos de preparação se encarregariam de preparar os filhos de forma a maximizar o retorno futuro de cada um. Os profissionais de uma empresa geradora desempenhariam os papéis de pais, babás, professores e orientadores. Seriam profissionais altamente qualificados, pois, na ausência de pais no conceito estrito da palavra, seriam os principais responsáveis pela performance futura dos pupilos e, conseqüentemente, pelos retornos futuros da empresa.

O modelo traz incontáveis oportunidades para aqueles que se aventurarem neste novo “business” dentro de empresas geradoras ou de empresas “satélite”, que prestariam serviços às geradoras formando um “cluster” muito parecido com o que é observado hoje com as montadoras de automóveis. Não está claro qual será o modelo de negócios “vencedor”, pois enquanto algumas geradoras preferirão se especializar (criando safras de filhos “padronizados” de forma a ganhar escala), outras optarão por diversificar (apostando que um convívio plural traz vantagens num mercado de trabalho cada vez mais focado em inovação), enquanto algumas procurarão se “verticalizar” (aproveitando as sinergias da cadeia), outras optarão por focar no “core” e terceirizar serviços adjacentes. Outra escolha importante é onde atuar, pois evidentemente existirá mercado para empresas em diversos nichos, desde formadoras de mão de obra mais básica (cujo investimento em educação e treinamento seria mais baixo, e os retornos, por sua vez, também), até “boutiques” geradoras, que trabalhariam com um número reduzido de “super high potentials”, apostando em altos retornos futuros. Ao contrário do que poderia prever Aldous Huxley, porém, não acredito que existirá muita demanda por seres humanos com qualificação muito baixa (os Ipsilones), uma vez que para as tarefas mais banais a automação provavelmente representará uma opção mais barata frente ao alto capital empregado para gerar e criar um filho.

Estabelecidas as leis e as medidas regulatórias necessárias, porém, é de se esperar que a empresa geradora acabe tendo com o filho uma relação mais forte do que aquela estabelecida por lei. Lembremos que este grupo de crianças conviverá de forma intensiva entre eles, criando um vínculo quase que “familiar” entre o grupo. É de se esperar que a “Turma de 2105” dos formandos da Geradora X se torne muito mais próxima do que uma turma de formandos de colégio ou faculdade, por terem vivido por cerca de vinte anos como verdadeiros irmãos.

O Filho Coletivo

Se temos cada vez menos tempo para os nossos filhos e se custa cada vez mais caro mantê-los e prepará-los para o mundo competitivo que os aguarda, nada mais natural que maximizemos estes dois recursos escassos (tempo e dinheiro) nos associando em grupos ampliados de pessoas em torno de um só filho. Nasce o conceito do filho coletivo. Se em 1950 um casal tinha seis filhos, passou a ter dois em 1980 e hoje tem apenas um, é natural esperarmos que o casal do futuro tenha 50% ou 20% de um filho, compartilhando-o com outros.

O conceito é simples, porém ainda precisará vencer algumas barreiras jurídicas e culturais para se tornar realidade: um grupo de amigos se junta com o intuito de criar uma criança. De preferência uma criança que não seja filho biológico de nenhum deles para não gerar qualquer tipo de vinculo diferenciado (um problema menor em um mundo onde pouquíssimas crianças serão geradas por inseminação natural). Além da óbvia vantagem financeira, um filho coletivo seria mais coerente com a vida atarefada dos novos tempos. Este novo formato proporcionará a cada pai ou mãe um determinado tempo com o rebento, tempo suficiente para preencher a carência afetiva e o senso paternal / maternal de cada um, mas insuficiente para que se aborreçam com o pesado dia a dia que acompanha a criação de um filho. Além disso, com vários pais e mães, a criança terá a oportunidade de absorver os mais diversos talentos e aptidões destas pessoas, tornando-se necessariamente alguém mais polivalente e talentoso que a média dos seus colegas. Um projeto colaborativo, uma tendência demográfica irrefutável. Ainda veremos, algum dia, um grupo de seis pais e um filho na capa da Veja, estipulando um novo padrão de comportamento social.

O núcleo familiar tende a ficar mais flexível. Hoje vemos cada vez mais pessoas morando sozinhas, ou em núcleos familiares reduzidos. A idéia de que um casal deve morar junto aos poucos vem sendo questionada, e casais começam a morar separado por opção. Os relacionamentos duram menos tempo e a idéia de juntos para sempre vai se tornando uma utopia. O percentual declarado de homossexuais (que na prática não podem ter filhos biológicos) vem aumentando, assim como o de bissexuais (que por definição não se satisfazem, no longo prazo, com um só parceiro). Junte-se a isso a idéia de que o filho não será mais de um casal, mas de um grupo, e temos um conceito expandido de família. No final disso tudo as pessoas morarão sós ou em grupos, mas estes grupos terão menos a ver com relações consangüíneas e hereditárias, e mais com relações afetivas e não exclusivas. O lar do futuro pode ser composto de três adultos, um idoso e uma criança, que podem não ter laços de sangue ou relacionamento conjugal, mas que se gostam, se ajudam e vivem em uma certa harmonia formando, portanto, uma família, por que não?

Outra ruptura no conceito tradicional de família deve vir junto com a evolução da engenharia genética. É difícil imaginar que na segunda metade deste século as mulheres ainda carreguem um feto em seu corpo por nove meses. A opção de uma gravidez completa “in vitro” sofrerá, a princípio, uma forte oposição cultural, principalmente de grupos religiosos, mas eventualmente passará de exceção à regra. Sejamos práticos, pra que passar nove meses carregando um bebê na barriga quando pode-se manter o corpo inalterado e ir visitar o feto no laboratório mais próximo sempre que quiser? No laboratório o feto terá perto de 100% de chances de sobrevivência, não estando exposto a acidentes ou doenças, “perder o bebê” será um conceito ultrapassado. Dependendo da evolução da engenharia genética talvez esperar nove meses não seja mais necessário. Num mundo onde as pessoas se preparam cada vez mais antes de ter um filho, este período obrigatório de preparação biológica deixa de fazer sentido.

Em algum momento surgirá a dúvida: prefiro um filho que se pareça comigo ou com o Brad Pitt? Com um mundo de possibilidades para alterar (e melhorar) geneticamente o DNA do rebento que vem por aí será cada vez mais tentador escolher um filho mais bonito e inteligente que o filho do vizinho, ao invés de um que herde seu pé chato ou seu cabelo ruim. Mais importante do que isso é a questão ética que começa a ficar confusa quando levamos em conta a saúde da criança: será que eu quero ter um filho da forma “natural” que herdará minha predisposição genética a diabetes ou a doenças do coração ou prefiro escolher um gene “melhorado”, com chances consideravelmente menores de desenvolver uma destas doenças? Abrir mão disso será considerado uma irresponsabilidade.

A partir do momento em que se elimina a gravidez, se expande o conceito do filho coletivo (inclusive com um arcabouço jurídico que sustente esta prática), e se torna possível escolher, através de um cardápio, as características desejadas para a criança, começamos a nos distanciar do conceito tradicional de reprodução. Filhos gerados da forma tradicional ainda existirão por algum tempo, mas sofrerão cada vez mais ao ter que competir com estes “super filhos”, predispostos geneticamente a se tornarem bem sucedidos. Os filhos naturais se transformarão, naturalmente, em cidadãos de segunda classe, e servirão eles próprios de desincentivo para a próxima geração de pais. Uma coisa não mudará com o tempo: sempre vamos querer o melhor para os nossos filhos, e se teremos apenas um, ou parte de um filho, e colocaremos nele todas as nossas “fichas”, não quereremos errar, e não correremos riscos.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Bandeirantes Marriott

Minha sobrinha está indo, no próximo ano, para o terceiro colegial (mais um sinal de que estou ficando velho, até porque no meu tempo se chamava terceiro “científico”).

Alem da mensalidade de valor astronômico, um outro fato me chamou a atenção: O período é integral. Carol entra na escola às 8h e só sai às 18h, durante este Período, alem de aulas também participa de atividades extra curriculares, como esportes, artes, etc.

Na visão de um economista está claro o que a escola está fazendo, ela está se apropriando de uma parcela maior do “share of wallet” dos pais do aluno, que, em vez de dividir seus gastos entre a escola, o curso de inglês e a academia, acaba concentrando tudo em apenas uma fatura, e como vantagem adicional não tem que se preocupar com a sempre complicada logística de um filho adolescente.

Em um tempo de pais cada vez mais ocupados e de “riscos” cada vez maiores impostos a seus filhos (violência, conteúdo impróprio na internet, drogas, etc.), nada mais cômodo que “terceirizar” seu pupilo durante o horário de expediente a uma instituição de confiança, mesmo que o preço de tal conforto seja um tanto salgado.

O próximo passo na busca pela maximização do share of wallet dos pais do aluno será, sem dúvida, o internato. O colégio interno já teve seus dias de glória, na época dos meus pais muitos dos filhos de endinheirados do interior iam estudar em Recife, onde eram internados nestas instituições. Algumas crianças e adolescentes da capital acabavam tendo o mesmo fim, normalmente como castigo, fruto de mau comportamento ou notas baixas. Todo o conceito do internato estava alicerçado na disciplina, comandado por padres ou freiras o colégio mantinha os alunos na rédea curta e, por isso mesmo, não é recordado pelos ex-internos como um lugar do qual sintam saudades. Com o tempo a população se concentrou nas cidades, os pais começaram a se sentir um tanto ou quanto culpados de largar seus filhos em internatos e o modelo caiu em desuso.

Desta forma a volta do internato nos moldes tradicionais já não cabe na sociedade em que vivemos, para convencer pais e alunos a escolher esta opção faz-se necessário um conceito repaginado, o ”resort educacional”.

Ao contrario do que acontecia na década de 50 os pais não possuem mais autoridade completa sobre os destinos e escolhas dos seus filhos, além de terem criado, ao longo dos anos uma crescente complacência em relação aos rebentos, talvez fruto da culpa que sentem por se considerarem ausentes para com a família. A internação forçada não seria mais aceita pela sociedade do novo milênio, e os pais provavelmente se tornariam párias em seu círculo social. O “resort educacional”precisa não só conquistar os pais, mas também atrair o filho.

Para garantir um programa acadêmico consistente, que transmita aos pais a sensação de que seus filhos estão aprendendo e se desenvolvendo, é necessário o envolvimento no projeto de uma instituição de ensino conceituada e de qualidade inquestionável. Para garantir uma atmosfera encantadora ao aluno, que faça com que o mesmo se sinta como se estivesse em uma eterna colônia de férias, sentindo o mínimo de saudades do mundo exterior, é necessário o envolvimento no projeto de uma cadeia hoteleira de alto nível. Nasce o Bandeirantes Marriott, o primeiro resort educacional do país:

“Localizado em Atibaia, o Bandeirantes Marriott traz comodidade aos pais bem sucedidos e atarefados do nosso tempo, mas que não abrem mão de uma boa educação para seus filhos. Ao invés de conviver com babás e motoristas, os alunos do BM têm à sua disposição professores, monitores e educadores com a mais alta qualificação nas mais diversos áreas de conhecimento, que incentivam os mesmos a explorar constantemente seu pensamento critico e raciocínio analítico.

No BM o aluno conta com acompanhamento 24 horas, pensão completa e monitoramento constante via internet para que os pais possam acompanhar cada passo dos seus filhos. O resort oferece, alem de um sólido programa acadêmico, uma gama interminável de atividades extra curriculares, que vão desde golfe até aulas de culinária com chefs consagrados. No Bandeirantes Marriott a otimização logística chega à perfeição, garantindo que o aluno não precise sair para nada, já que pode contar, entre outras coisas, com atendimento medico, dentário e psicológico.

Criando uma atmosfera de perfeita integração com a paisagem bucólica, as charmosas e alegres acomodações do Bandeirantes Marriott oferecem muito conforto e comodidade aos alunos. São 363 unidades, entre apartamentos, suítes e bangalôs. Nas salas de aula, decoradas por Sig Bergamim, tudo foi pensado para proporcionar o ambiente perfeito para o aprendizado.

O resort oferece completa flexibilidade, permitindo que os pais ”solicitem“ seus filhos quando quiserem, seja para dormir em casa, passar o final de semana ou simplesmente encontrá-los para o jantar. O serviço de “transfer” do Bandeirantes Marriott entrega e recolhe o aluno onde os pais estiverem. Garantindo que pais e filhos convivam sempre que quiserem e não convivam sempre que não quiserem, promovendo um relacionamento saudável e feliz.

Bandeirantes Marriott resort educacional, seu filho em boas mãos.”

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Energia - Ensaio 1, Parte 1

Há cerca de 300 anos, Thomas Newcomen inventou a máquina a vapor, tornando possível revolução industrial.  Antes disso já se usava a madeira e o carvão para aquecimento, mas a energia mecânica, necessária para mover objetos e automatizar processos industriais, dependia da força física dos seres humanos e dos animais, o que limitava profundamente a capacidade do ser humano de gerar riqueza e de produzir bens e serviços muito além daqueles necessários para a sua própria subsistência. 

O carvão era abundante, barato e possuía alta densidade energética.  As máquinas a vapor multiplicaram a capacidade produtiva e a desvincularam da força humana e animal, que dependiam do gasto de calorias, que por sua vez dependiam da ingestão das mesmas, presentes nos alimentos.

As locomotivas e os navios a vapor possibilitavam vencer grandes distancias em tempos relativamente curtos, impulsionando a integração e o comércio entre as cidades.  Apesar de protestos dos trabalhadores no início da revolução industrial, que quebravam as mesmas máquinas que lhes tirava os empregos, em pouco tempo ficou claro que a industrialização traria para a humanidade um nível de conforto e desenvolvimento inimaginável até então.

Com a conseqüente automação da agricultura, a invenção do motor de combustão interna (impulsionado pela descoberta do petróleo), e a descoberta da eletricidade, uma grande parte da humanidade se desvinculou do trabalho braçal.  Sem precisar dedicar tanto esforço para a própria subsistência subimos um degrau na pirâmide de Maslow, e com nossas necessidades fisiológicas satisfeitas começamos a busca para satisfazer novas necessidades, que nem sabíamos que tínhamos.

Como conseqüência disso tudo a humanidade avançou nos últimos 300 anos (um período relativamente curto se considerarmos a existência humana na terra) a um ritmo incomparável.  Quanto mais nos libertávamos do trabalho braçal mas nos dedicávamos ao trabalho intelectual. O conhecimento, vital neste tipo de trabalho,  deixou de ser restrito às elites e passou a ser disseminado a uma parcela crescente da população. Com mais gente pensando, mais conhecimento foi sendo criado e disseminado, impulsionando novos avanços tecnológicos, em um círculo virtuoso que perdura até os nossos dias.

Apesar de termos estudado a revolução industrial nos tempos de colégio e de usufruirmos de um estilo de vida impensável não fosse pelos avanços tecnológicos iniciados desde então, paramos pouco para pensar, em nosso dia a dia, no fator essencial que torna tudo isso possível:  a energia.

Exceto quando pagamos a conta de luz ou abastecemos nossos carros pouco nos damos conta de que a energia está presente em praticamente todos os aspectos das nossas vidas.  Do gás necessário para cozinhar nossas refeições, ao óleo usado no navio que trouxe da China o último “gadget”que adquirimos e que não conseguimos mais viver sem, tudo requer energia, se não vejamos:

Acordo de manhã com o toque do meu celular, cuja bateria foi carregada com energia elétrica. O aparelho é composto de uma série de peças industrializadas, que requereram alguma energia para serem produzidas, foi montado na China, e transportado ao Brasil utilizando ainda mais energia.  Me levanto e vou ao banheiro tomar um banho quente (aquecimento a gás, mais energia), escovo os dentes (pasta e escova são produtos industrializados, mais energia), lavo o rosto (a bomba d’água que torna possível ter água corrente no terceiro andar requer, adivinha?, mais energia).  Me visto (a produção das roupas, a lavagem das mesmas, o ferro de passar, energia, energia, energia).  E olhe que eu nem saí de casa ainda!!!

Não é difícil perceber que usamos uma grande quantidade de energia diariamente, e que a tendência é que usemos cada vez mais, à medida em que novos “gadgets”, equipamentos, eletrodomésticos e produtos industrializados são consumidos por nós a um ritmo incomparável àquele do tempo dos nossos pais.

Até pouco tempo atrás, digamos, até os anos 60, vivíamos em um mundo onde aparentemente a oferta de energia era ilimitada.  Energia abundante e de baixo custo tornava possível sustentar o forte crescimento da demanda.  Esta promessa de oferta ilimitada começou a ser desmentida na década de 70 com a primeira crise do petróleo.  Os principais países exportadores de petróleo (concentrados em sua maioria no oriente médio e organizados em cartel através da OPEP), “fecharam a torneira” e reduziram drasticamente a oferta de petróleo, jogando o preço da commodity nas alturas e acordando o mundo para o fato de que dependíamos, mais do que imaginávamos, de um combustível Fóssil não renovável e que cuja oferta estava nas mãos de um punhado de países não muito simpáticos ao mundo ocidental.

O recente rally que vimos no preço do petróleo, que chegou a US$ 150 o barril em 2008, é ainda mais alarmante.  O aumento nos preços não foi causado por um choque abrupto na oferta, como nos anos 70, mas pelo forte aumento na demanda, com países emergentes sedentos por petróleo para sustentar seu rápido crescimento, enquanto que os países desenvolvidos (notadamente os EUA), pouco faziam para reduzir sua dependência através de medidas de eficiência energética.

O que está acontecendo com o petróleo tende a se repetir com os demais combustíveis fosseis (que juntos respondem por 80% do consumo de energia no mundo).  À medida em que as reservas “fáceis” secam, é necessário ir mais longe, mais fundo, e extrair produtos de qualidade inferior (que conseqüentemente exigem mais pré-tratamento).  Em outras palavras:  muito antes do petróleo, do carvão e do gás natural “se acabarem” eles vão ficar mais caros, muito mais caros.

Alem de provocar um amento de preço, a crescente demanda por estes produtos, e sua queima para gerar energia, que vem acontecendo, como já vimos, há 300 anos, vem deixando marcas permanentes na atmosfera da terra.  Suas conseqüências ainda estão longe de serem completamente estimadas.

... to be continued

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Economia Global e Geopolítica - 1º Ensaio

O mundo vive um processo sem precedentes de democratização da riqueza entre os países. Parece uma contradição que o capitalismo, ao invés do socialismo, venha a diminuir, e não a aumentar, disparidades econômicas. A concentração de renda dentro das fronteiras de cada país talvez continue a aumentar, impulsionada pelo acúmulo de riqueza da minoria mais rica, e não pelo empobrecimento da maioria mais pobre (a pobreza extrema está com os dias contados, pois a economia de mercado não pode mais se dar ao luxo de excluir bilhões de “potenciais consumidores”). A diferença de riqueza entre os países, no entanto, já vem diminuindo e diminuirá cada vez mais, não pelo colapso das economias desenvolvidas, mas pela ascensão dos emergentes. Nunca tantos países apresentaram, ao mesmo tempo, taxas de crescimento tão altas como as observadas nos últimos vinte anos.

Até a década de 80, a maioria dos países do terceiro mundo possuía um sistema político e econômico híbrido entre o capitalismo e o socialismo. Existia nestes países um capitalismo incipiente, onde o setor privado era pouco desenvolvido, seus mercados eram estritamente fechados e seus governos receosos em adotar políticas de abertura comercial. Este sistema híbrido se mostrou ineficiente, provocando nestes países crescimento pífio e hiperinflação. A queda do muro de Berlim e o sucesso dos tigres asiáticos (países que adotaram políticas mais liberais de economia de mercado) deixaram claro o caminho a ser seguido: a liberalização dos mercados. Com políticas de responsabilidade fiscal e uma maior abertura econômica uma boa parte dos países que costumávamos chamar de subdesenvolvidos passaram à condição de “emergentes”, erradicaram a hiperinflação (hoje apenas 12 países no mundo apresentam taxa de inflação superior a 15% anuais) e começaram a receber consideráveis investimentos externos (fruto da redução significativa do risco associado a estes países).

Pegando o Brasil como exemplo, vivemos hoje em um país que poucos poderiam imaginar em 1980. Nossa taxa anual de inflação está controlada por volta de 5% ao ano (na década de 80 chegamos a incríveis 1.200% anuais), temos uma perspectiva de crescimento sustentado do PIB na casa dos 4% ao ano (ritmo que deve ser retomado já em 2010, apesar da crise) e o risco Brasil (índice que mede a confiança do investidor em nosso país), está em 250 pontos, tendo chegado a 150 pouco antes da crise (ou seja, por meros 1,5% a mais o investidor estaria disposto a “se arriscar” comprando títulos da dívida brasileira ao invés da americana, situação impensável 20 anos atrás).

O mais importante é que o que está acontecendo no Brasil não é exceção, é regra. Em 2006 e 2007 124 países cresceram a uma taxa de 4% ou mais, nenhum deles do chamado mundo desenvolvido. Antoine van Agtmael, fundador do conceito de “mercados emergentes”, identificou 25 empresas como as principais empresas multinacionais da nova geração, todas de países emergentes, quatro delas brasileiras. Como conseqüência disso os países em desenvolvimento capturarão a maior parte do crescimento mundial nos próximos anos. Crescendo mais rápido nos aproximaremos, e eventualmente ultrapassaremos, os países que hoje chamamos de desenvolvidos, e que no futuro poderemos tratar como iguais. Em 2040, um grupo de 5 países emergentes (China, índia, Brasil, Rússia e México) terá um PIB conjunto maior do que o do G-7, atual grupo de países desenvolvidos que dominou a esfera econômica no século XX. E em 2050, o Brasil não será apenas o país do futebol e do carnaval, será também a quarta economia do mundo, atrás apenas de China, EUA, e Índia.

Mas ser um país “desenvolvido”, e apresentar uma condição de vida confortável para o seu povo, tem menos a ver com PIB total e mais a ver com PIB per capita. Como o PIB dos países emergentes cresce em um ritmo bem mais acelerado que a população, o PIB per capita também tende a crescer, e a disparidade entre os países tende a diminuir. Países emergentes como Brasil, México, China e Rússia apresentarão em 2050 rendas per capita muito próximas aos dos países europeus. Eu, que nasci em um país pobre, morrerei em um país rico.

Não precisaremos esperar até 2050 para sentir os efeitos destas mudanças, eles já estão se apresentando hoje (com a crescente influência geopolítica da China) e se multiplicarão no futuro. O principal efeito é a perda da posição dos EUA como única potência mundial (posição que vem mantendo desde o desmantelamento da URSS). Apesar de continuar crescendo, os Estados Unidos representarão um percentual cada vez menor da economia mundial, e por conta disso terão uma importância decrescente (porém ainda muito forte) na definição dos rumos da política global. Por um lado isso poderia representar um risco à segurança global, com a ascensão de novas potências capazes de rivalizar o poderio militar americano e trazendo novamente à cena um possível cenário de conflito armado de grande porte, possibilidade que havia sido afastada desde o fim da guerra fria.

O que a guerra fria nos mostrou, no entanto é que, à medida que um país assume uma posição de liderança no contexto global, assume também uma maior responsabilidade neste contexto. No mundo em que vivemos hoje e que viveremos no futuro, com uma economia cada vez mais global e interdependente, um país que almeje destacar-se no contexto econômico mundial simplesmente não poderá se dar ao luxo de colocar em risco sua posição se envolvendo em conflitos armados, principalmente em conflitos de grandes proporções, sob pena de isolamento econômico, o que no século XXI significa assinar a própria sentença de morte. Sempre existirão os fundamentalistas a lá Chavez ou Ahmadinejahd, mas na falta de uma opção viável ao capitalismo de mercado (que, na minha opinião, só se fortaleceu com a crise, uma vez que o crescimento mundial se recuperará em no máximo dois anos daquela que foi anunciada como “a maior crise financeira em 80 anos”) estes ditadores só sobreviverão em países economicamente irrelevantes, tornando o risco de um conflito armado de grande porte próximo a zero.

Por fim, entendo que não só o poder e influência das nações desenvolvidas tende a diminuir, como também o poder e a influência das nações, de um modo geral. Fronteiras significarão cada vez menos em um mundo dominado por multinacionais que enxergam o mundo como um só mercado, e que possuem interesses estratégicos que transcendem interesses nacionais. As fronteiras ainda existirão por algum tempo, mas serão cada vez mais irrelevantes.