segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Filho Coletivo

Se temos cada vez menos tempo para os nossos filhos e se custa cada vez mais caro mantê-los e prepará-los para o mundo competitivo que os aguarda, nada mais natural que maximizemos estes dois recursos escassos (tempo e dinheiro) nos associando em grupos ampliados de pessoas em torno de um só filho. Nasce o conceito do filho coletivo. Se em 1950 um casal tinha seis filhos, passou a ter dois em 1980 e hoje tem apenas um, é natural esperarmos que o casal do futuro tenha 50% ou 20% de um filho, compartilhando-o com outros.

O conceito é simples, porém ainda precisará vencer algumas barreiras jurídicas e culturais para se tornar realidade: um grupo de amigos se junta com o intuito de criar uma criança. De preferência uma criança que não seja filho biológico de nenhum deles para não gerar qualquer tipo de vinculo diferenciado (um problema menor em um mundo onde pouquíssimas crianças serão geradas por inseminação natural). Além da óbvia vantagem financeira, um filho coletivo seria mais coerente com a vida atarefada dos novos tempos. Este novo formato proporcionará a cada pai ou mãe um determinado tempo com o rebento, tempo suficiente para preencher a carência afetiva e o senso paternal / maternal de cada um, mas insuficiente para que se aborreçam com o pesado dia a dia que acompanha a criação de um filho. Além disso, com vários pais e mães, a criança terá a oportunidade de absorver os mais diversos talentos e aptidões destas pessoas, tornando-se necessariamente alguém mais polivalente e talentoso que a média dos seus colegas. Um projeto colaborativo, uma tendência demográfica irrefutável. Ainda veremos, algum dia, um grupo de seis pais e um filho na capa da Veja, estipulando um novo padrão de comportamento social.

O núcleo familiar tende a ficar mais flexível. Hoje vemos cada vez mais pessoas morando sozinhas, ou em núcleos familiares reduzidos. A idéia de que um casal deve morar junto aos poucos vem sendo questionada, e casais começam a morar separado por opção. Os relacionamentos duram menos tempo e a idéia de juntos para sempre vai se tornando uma utopia. O percentual declarado de homossexuais (que na prática não podem ter filhos biológicos) vem aumentando, assim como o de bissexuais (que por definição não se satisfazem, no longo prazo, com um só parceiro). Junte-se a isso a idéia de que o filho não será mais de um casal, mas de um grupo, e temos um conceito expandido de família. No final disso tudo as pessoas morarão sós ou em grupos, mas estes grupos terão menos a ver com relações consangüíneas e hereditárias, e mais com relações afetivas e não exclusivas. O lar do futuro pode ser composto de três adultos, um idoso e uma criança, que podem não ter laços de sangue ou relacionamento conjugal, mas que se gostam, se ajudam e vivem em uma certa harmonia formando, portanto, uma família, por que não?

Outra ruptura no conceito tradicional de família deve vir junto com a evolução da engenharia genética. É difícil imaginar que na segunda metade deste século as mulheres ainda carreguem um feto em seu corpo por nove meses. A opção de uma gravidez completa “in vitro” sofrerá, a princípio, uma forte oposição cultural, principalmente de grupos religiosos, mas eventualmente passará de exceção à regra. Sejamos práticos, pra que passar nove meses carregando um bebê na barriga quando pode-se manter o corpo inalterado e ir visitar o feto no laboratório mais próximo sempre que quiser? No laboratório o feto terá perto de 100% de chances de sobrevivência, não estando exposto a acidentes ou doenças, “perder o bebê” será um conceito ultrapassado. Dependendo da evolução da engenharia genética talvez esperar nove meses não seja mais necessário. Num mundo onde as pessoas se preparam cada vez mais antes de ter um filho, este período obrigatório de preparação biológica deixa de fazer sentido.

Em algum momento surgirá a dúvida: prefiro um filho que se pareça comigo ou com o Brad Pitt? Com um mundo de possibilidades para alterar (e melhorar) geneticamente o DNA do rebento que vem por aí será cada vez mais tentador escolher um filho mais bonito e inteligente que o filho do vizinho, ao invés de um que herde seu pé chato ou seu cabelo ruim. Mais importante do que isso é a questão ética que começa a ficar confusa quando levamos em conta a saúde da criança: será que eu quero ter um filho da forma “natural” que herdará minha predisposição genética a diabetes ou a doenças do coração ou prefiro escolher um gene “melhorado”, com chances consideravelmente menores de desenvolver uma destas doenças? Abrir mão disso será considerado uma irresponsabilidade.

A partir do momento em que se elimina a gravidez, se expande o conceito do filho coletivo (inclusive com um arcabouço jurídico que sustente esta prática), e se torna possível escolher, através de um cardápio, as características desejadas para a criança, começamos a nos distanciar do conceito tradicional de reprodução. Filhos gerados da forma tradicional ainda existirão por algum tempo, mas sofrerão cada vez mais ao ter que competir com estes “super filhos”, predispostos geneticamente a se tornarem bem sucedidos. Os filhos naturais se transformarão, naturalmente, em cidadãos de segunda classe, e servirão eles próprios de desincentivo para a próxima geração de pais. Uma coisa não mudará com o tempo: sempre vamos querer o melhor para os nossos filhos, e se teremos apenas um, ou parte de um filho, e colocaremos nele todas as nossas “fichas”, não quereremos errar, e não correremos riscos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário