quarta-feira, 19 de maio de 2010

Onipresença

Exceto no caso de trabalhadores braçais (que serão minoria devido à constante automação dos processos) e de profissões que exigem o contato humano (médicos, dentistas, atletas de esportes coletivos, etc.), o vínculo físico com o local de trabalho deixará de existir. Devido às novas tecnologias de comunicação on-line, conversar com uma pessoa "ao vivo" ou através de algum aparelho (chamem de "tele presença" ou algo do tipo), fará pouca diferença. A cultura de fechar negócios ou fazer reuniões com a presença física das pessoas é coisa da nossa geração, no futuro o local de trabalho será 100% virtual, não só para profissionais liberais, mas também para executivos.

A conseqüência natural disso é que grande parte da humanidade não precisará mais morar no mesmo lugar em que trabalha. Muitas empresas não estarão localizadas em um determinado "lugar", mas funcionarão on-line, 24 horas por dia, e nossos colegas, na prática, poderão ser de qualquer parte do mundo.

O fim do “horário de trabalho”

Com os diferentes fusos horários envolvidos no dia a dia de uma equipe virtualmente relacionada mas fisicamente separada, é de se esperar que o tradicional "horário de trabalho" perca o sentido. Para sincronizar horários estes funcionários dos quatro cantos do mundo vão se adaptar para se comunicar com pares, clientes, chefes e subordinados, tendo cada um uma agenda um tanto confusa, mas interessante, porque irão intercalar tempo de trabalho e lazer de uma forma bem mais flexível. Não fará muito sentido ir à academia "após o trabalho" se você trabalha em casa, e tem compromissos virtuais nos horários mais diversos com seus colegas que moram na Alemanha, 5 horas na frente.

Ao invés disso nos adaptaremos para cumprir as atividades diárias ao longo de uma jornada de vinte e quatro horas, cheia de “recreios” onde dormiremos e encaixaremos nossas atividades de lazer. Nossas agendas se parecerão cada vez mais com um queijo suíço e talvez até mesmo o hábito de se ter apenas um período diário de sono de sete ou outro horas seja substituído por “siestas” mais espalhadas e curtas.

O fim da hora do rush e da sazonalidade no transporte

O trânsito é um problema que assola a maioria das grandes cidades, e muitas vezes atribuímos o problema à escassez de avenidas, viadutos ou opções de transporte coletivo. Quem costuma dirigir às 2 horas da madrugada, porém, deve perceber que, especificamente neste horário, a escassez de ruas e avenidas não parece ser tanto um problema, gasta-se, neste horário, cerca de 10 minutos para percorrer uma distancia que na “hora do rush” poderia levar até uma hora.

O problema do trânsito, por mais estúpido que esta afirmação possa parecer, se deve basicamente a um motivo: Todos queremos chegar aos mesmos lugares nos mesmos horários.

A solução para o problema do trânsito não virá da infra estrutura de transportes, e sim da tecnologia da informação. A “onipresença” nos permitirá trabalhar de casa, em qualquer horário, e restringir eventuais idas e vindas ao estritamente necessário, nos horários mais diversos. Menos gente se movimentando, por distancias mais curtas e em horários mais bem distribuídos, eventualmente chegaremos à conclusão que temos ruas e avenidas demais, e não de menos.

Até o conceito de megalópoles fica em cheque: as cidades atrairão as pessoas menos pelas oportunidades profissionais que oferecem, e mais pelo estilo de vida que proporcionam a seus moradores. Torna-se possível realizar o sonho de muitos moradores de grandes cidades de morar em um lugar mais "tranqüilo". Dia desses ouvi que 42% dos moradores de São Paulo gostariam de deixar a cidade, que bênção seria se estes moradores efetivamente saíssem, tanto para eles como para aqueles que ficam, com a onipresença isso se torna possível.

As cidades não deixarão de existir, pois ainda haverá a necessidade de centros de serviço, onde as pessoas possam usufruir de ambientes físicos de convivência e ter acesso a serviços onde a interação física ainda é necessária. Alem disso, não acredito que uma parcela considerável da população resolva se isolar em lugares remotos no momento em que seu trabalho se tornar geograficamente independente. O que ocorrerá, no entanto, é que as pessoas escolherão onde querem morar, ao invés de serem “escolhidas” pelo mercado de trabalho. O próprio conceito de residência fixa deixa de ser obrigatório, pois os de temperamento mais errante podem passar a vida viajando pelo mundo enquanto continuam trabalhando normalmente.

Aqueles que são apaixonados por Paris, mas que atualmente não podem se dar ao luxo de largar tudo e tem que se contentar com curtas temporadas na cidade luz durante as férias, poderiam passar temporadas de meses, ou até anos por lá, fazendo o mesmo trabalho que fariam em São Paulo, Tóquio ou Jericoacoara.

As pessoas não deixariam de viajar, mas dois dos motivos atuais das viagens deixariam de existir. Pra que viajar "de férias" se eu posso ir para qualquer lugar do mundo e continuar trabalhando normalmente? Pra que viajar "a negócios" se todos os negócios podem ser resolvidos daqui mesmo, da minha casa? As viagens seriam feitas para proporcionar o encontro físico das pessoas, quando elas assim desejassem. Imagino diferentes "tribos" emergindo disso tudo: existiriam os nômades compulsivos que morariam um certo tempo em cada lugar do mundo, mas também existiriam aqueles que usariam as novas tecnologias para ficar cada vez mais dentro do casulo.

Fronteiras perdem o sentido

Fronteiras nacionais sobreviveram à globalização dos mercados, mas dificilmente sobreviverão à globalização das pessoas, com a onipresença fica um tanto ou quanto complicado restringir certas oportunidades de trabalho a cidadãos de um certo pais, o que historicamente tem sido o principal motivo de restrição a imigrantes, se não vejamos:

Um funcionário trabalhando em um Call Center indiano atendendo clientes americanos de um determinado cartão de crédito está, na prática, tirando o emprego de um americano. Este mesmo funcionário não qualificado, caso tentasse entrar nos EUA provavelmente seria barrado, pois a imigração daquele país usaria o argumento de que aceitar imigrantes não qualificados só contribuiria para aumentar o desemprego em seu país. Imaginemos por um momento, porém, que a imigração abrisse uma exceção neste caso e deixasse o indiano entrar desde que continuasse exercendo a mesma função, só que desta vez em solo americano, recebendo o mesmo salário baixíssimo que recebe na Índia, sem direito aos benefícios concedidos a trabalhadores americanos.

O que aconteceria, neste caso, é que os EUA não recuperariam o emprego perdido para a Índia de forma efetiva, pois aquele indiano continuaria como um cidadão de segunda classe. Aquele, na prática, continuaria a ser um emprego “indiano”. Por outro lado o pouco de dinheiro disponível para consumo daquele “cidadão de segunda classe” seria consumido na economia americana, e não na indiana, o que deixaria os EUA em uma situação melhor do que simplesmente exportando empregos para a Índia, que é o que acontece hoje.

O emprego americano já foi perdido para a Índia de qualquer forma, e isso aconteceu sem a necessidade do indiano cruzar a fronteira e entrar em território americano. Se isso acontecesse, na prática, os EUA só teriam a ganhar, e não a perder.

Este e outros casos começam a confundir a idéia de que “fechar a fronteira” para imigrantes é uma forma de proteger o mercado de trabalho local, uma forma de reserva de mercado. Se o emprego está sendo perdido de qualquer forma, é preferível que se perca este emprego para um “não cidadão residente” do que por um “não cidadão não residente”.

Estou vivendo um caso interessante, enquanto escrevo este livro estou participando de um projeto que conta com a ajuda de uma consultoria estratégica global. Apesar do trabalho ter sido vendido pelo escritório brasileiro da referida consultoria, a equipe de consultores é composta por um austríaco (baseado no escritório de Viena), e por um canadense (baseado no escritório de Toronto), estes dois consultores estão atualmente morando no Brasil para a realização do projeto, e alem deles contamos com a ajuda “part-time” de especialistas globais que se encontram nos quatro cantos do globo, mas que, sem duvida, estão debitando horas de trabalho em nosso projeto.

No final das contas os honorários deste projeto serão pagos ao escritório brasileiro, que transferirá uma parte deles para os escritórios de Viena, Toronto, e outros que possuam profissionais envolvidos. Estes escritórios, por sua vez pagarão uma parte destes honorários aos seus consultores que gastarão este dinheiro parte no Brasil (aqueles que estão aqui durante o projeto) e parte no exterior.

Na prática poderíamos dizer que os consultores estrangeiros estão “roubando” vagas de brasileiros, mas se estão mesmo melhor que morem aqui durante o projeto, pelo menos parte desta receita perdida volta para o país em forma de consumo. Taxar e alocar restrições ao trabalho intelectual, numa era de onipresença global, passa a ser uma tarefa deveras complicada.

domingo, 18 de abril de 2010

Kid Certificates

Todos nós conhecemos a política de filho único adotada na China desde 1978. Naquela época, já contando com a maior população do planeta e com altas taxas de natalidade a China adotou a política de forma a frear o crescimento populacional e, consequentemente, aliviar uma série de problemas sociais, econômicos e ambientais que se tornariam incontroláveis (a estimativa do governo é de que a população chinesa seria hoje maior em cerca de 350 milhões de pessoas, ou dois "Brasis", caso a política não houvesse sido adotada).

Conforme comentado em posts anteriores, acredito que a diminuição da taxa de fertilidade acontecerá naturalmente, devido a fatores econômicos e culturais, que acabam fazendo com que a população moderna, principalmente a urbana, deseje uma família menor que aquela dos seus antepassados. Com isso eventualmente a população mundial vai começar a decrescer. A projeção é que este ponto de inflexão ocorreria por volta de 2070, quando o mundo já teria uma população por volta de 9,5 bilhões de habitantes. Cada vez mais, porém, os ambientalistas se preocupam se o planeta está preparado para abrigar tanta gente, devido à pressão que uma população deste tamanho coloca nos recursos naturais, e a verdade é que não temos esta resposta.

Enfim, o que se conclui é que simplesmente esperar para que as tendências culturais cumpram seu papel de diminuir, parar, e eventualmente reverter o ritmo de crescimento populacional pode não ser uma estratégia inteligente e que políticas públicas de controle populacional sejam não apenas recomendáveis, mas necessárias.

Adotar uma política como a chinesa, no entanto, não me parece ser a forma mais eficiente de controle populacional. Ao designar um filho por mulher o governo não aloca da melhor forma a geração de novos bebês. Evitar que uma família em boa condição econômica, com muita vontade de ter dois filhos e condições de sobra para prover-lhe uma boa educação e criação, produzindo assim um futuro cidadão com qualificações acima da média é, no mínimo, pouco inteligente.

Segurar o crescimento populacional significa limitar o número total de nascimentos provenientes de um grupo de mulheres em período fértil. A alocação dos bebês entre estas mulheres, no entanto, não deve ser arbitrário, mas otimizado através de mecanismos de mercado, de forma a garantir uma alocação ótima dos recursos escassos (neste caso o direito de procriar), entre os produtores mais eficientes (neste caso as famílias mais qualificadas).

A emissão de certificados verdes (green certificates), tem funcionado muito bem para limitar a emissão de gás carbônico e de outros gases responsáveis pelo efeito estufa em boa parte dos países europeus. Por este sistema uma indústria ou geradora de energia pode sempre optar se faz mais sentido investir para reduzir suas próprias emissões ou comprar certificados de outras indústrias ou geradoras. No final do dia o que temos é que, através do livre mercado, as iniciativas para redução de emissões foram tomadas por aquelas indústrias ou geradoras que podiam (ou sabiam) fazê-lo de forma mais eficiente.

Aplicando esta boa idéia no problema de controle populacional proponho o "Kid Certificate" (KC). Usarei o Brasil como Exemplo:

No momento zero, através de um decreto presidencial, seriam emitidos alguns milhões de KCs que seriam diretamente distribuídos a todas as mulheres brasileiras que ainda não tiveram filhos. Estes certificados lhes garantiriam o direito de dar a luz a um rebento, e não mais que isso. Aquelas que já tiveram filhos, por já terem usufruído do seu direito, não receberiam o certificado.

As portadoras desta primeira remessa de KCs poderiam optar a respeito do que fazer com estas licenças: ter o filho a que têm direito ou vender para outras famílias que desejem ter o segundo ou terceiro filho. O importante é que a partir da implantação do decreto uma criança só poderia ser registrada com a apresentação de um certificado, que seria, consequentemente, retirado do mercado após o nascimento (nascimentos de gêmeos seriam tratados como exceção e, neste caso, ambos poderiam ser registrados utilizando apenas um KC). Como os certificados não expiram (exceto quando são utilizados para registrar uma criança), mulheres que não pretendem ter filhos poderiam especular com os KCs, guardando-os por um longo período esperando a valorização dos mesmos.

Mães que dessem a luz e sem possuir um KC teriam que entregar seu filho para um orfanato estatal, e só poderiam resgatá-lo se conseguissem adquirir um KC no mercado. Após dois anos, caso não consigam o KC, seu filho seria liberado para adoção, mediante, evidentemente, a apresentação de um KC por parte dos pais adotivos.

Após a primeira emissão, KCs adicionais seriam emitidos para mulheres que completassem 18 anos (grupo que não havia recebido o KC na primeira remessa). Com este mecanismo o governo criaria também um desincentivo para a gravidez na adolescência, uma vez que filhos nascidos de mães adolescentes nasceriam "a descoberto", tendo a mãe ou sua família que comprar um KC no mercado para evitar uma temporada do bebê no orfanato público.

Um KC sempre daria direito a um filho, mas o ritmo de emissão de KCs poderia mudar ao longo do tempo, com base no nível de crescimento populacional esperado pelo governo. Caso desejasse adotar uma política ainda mais restritiva o governo poderia reduzir o ritmo de distribuição de 1 para 0,5 KCs por mulher, o que significa que uma mulher que deseje ter um filho precisaria, necessariamente, comprar mais 0,5 KCs no mercado (ou dividir o rebento, ver post sobre filho coletivo).

O mercado, aliás, é uma parte importante do sistema. Assim com os créditos de carbono os KCs seriam negociados em bolsa e seu valor seria conhecido. Como qualquer um poderia comprar ou vender KCs (apesar de só as mulheres receberem os KCs diretamente do governo), o mercado se encarregaria de precificar os KCs de acordo com a lei da oferta e da procura.

Um efeito positivo do sistema seria que as taxas de natalidade, muito provavelmente, passariam a ser mais altas nas camadas mais ricas da população, exatamente aqueles que poderiam dar uma educação de maior qualidade, garantindo uma força de trabalho mais qualificada no futuro.

Com o aumento da desregulamentação no setor o sistema poderia se tornar global. Com isso não apenas teríamos a possibilidade de manter a população mundial em um tamanho ótimo, mas também de alocar de forma ótima nosso bem mais precioso, as futuras gerações de seres humanos.